A Visita
 



Contos

A Visita

Carlos Weber




Ela começou a debater-se durante o sono assim que a sombra esgueirou-se pelas frestas da janela. A névoa escura deslizou em silêncio para o piso, deixando um rastro úmido na cortina colorida. Na parede oposta, o relógio com o rostinho sorridente da Minnie parou de repente, o ponteiro longo apontando o número 6, o curto entre o 2 e o 3. As violetas no vaso sobre a cômoda secaram e imediatamente morreram.

A temperatura do quarto caiu abruptamente enquanto a forma sinuosa e escorregadia serpenteava em direção à cama. Sobre o criado-mudo, a luz do abajur tremulou, piscou e finalmente apagou-se.

Ana Júlia sentou-se na cama de modo tão brusco e repentino quanto um boneco de mola, daqueles que saltam de uma caixa de surpresas e pregam um susto na pessoa. Imediatamente a mancha nebulosa imobilizou-se, a meio caminho do travesseiro. Sua forma esguia envolvia o pé da cama em uma espiral pegajosa.

Respirando com dificuldade, Ana Júlia perscrutou cada canto do quarto mergulhado na penumbra, enquanto o coraçãozinho disparava descompassado no peito franzino.

― Mamãe! – ofegou, a respiração entrecortada em haustos ineficientes.

Fez menção de descer da cama, mas em seguida rolou os olhos inquietos pelos cantos mais sombrios do aposento e então recolheu os pezinhos antes que tocassem o chão.

Gotas de suor gelado brotaram de suas axilas e riscaram a pele trêmula sob a camisolinha fina estampada com motivos infantis.

― Tem bicho aqui! – tentou gritar, mas a voz não passou de um fraco gemido.

Foi quando o cheiro pútrido e nauseabundo invadiu suas narinas. Os olhinhos arregalados voltaram-se na direção do travesseiro no exato momento em que a criatura se acomodava sobre ele. A anomalia intangível e semitransparente materializava-se, adquirindo densidade, cor e textura de modo constante e gradual, mas sem fixar-se em uma única forma definitiva.


A cada mudança, a coisa pulsava e tremeluzia, parecendo ao mesmo tempo estar e não estar ali, como uma holografia inconsistente projetada por um aparelho defeituoso. De modo hipnótico, o corpo amorfo endureceu na forma de uma carapaça espinhenta e áspera, com garras longas e afiadas. Logo depois transformou-se em uma gorda aranha peluda, com quelíceras triplas que moviam-se o tempo todo. Em seguida mudou para a forma de uma cobra verde e anelada, brilhante como o abdômen de uma mosca varejeira.

Um instante mais tarde contorceu-se preguiçosamente enquanto metamorfoseava-se de modo abjeto em algo gelatinoso, com longos tentáculos viscosos brotando por todos os lados, olhos multifacetados de inseto nas pontas e ventosas ventrais que expeliam um muco âmbar visguento.

Depois de um minuto de paralisia o olhar de Ana Júlia foi atraído pelo olhar funesto da aberração, que a fitava transbordando malícia e perversidade.

E no exato momento em que ela inspirou o ar, em um gesto instintivo para encher os pulmões antes de uma nova tentativa de gritar, o demônio a atacou: entrou por sua boca na forma de uma enorme lacraia marrom, as dezenas de patas espinhentas abrindo caminho vorazmente através da garganta, rumo ao ventre da hospedeira que, indefesa, esvaziou simultaneamente a bexiga e os intestinos enquanto seu corpo estrebuchava em uma violenta e agonizante convulsão.

Seus membros incharam em poucos segundos, e sua pele tornou-se imediatamente avermelhada e febril. Os poros começaram a verter sangue. As pontas dos dedos dos pés e das mãos se romperam com o inchaço súbito, expelindo sangue e todas as unhas, que ficaram espalhadas sobre a cama agora imunda.

Os espasmos violentos foram diminuindo até cessar por completo. Mas o corpo de Ana Júlia estava irremediavelmente arruinado. A cabeça estufara-se como um balão contaminado. À exceção de alguns fios em pequenos tufos esparsos, quase todo o cabelo havia caído, expelido pelos vasos capilares no couro esticado sobre o crânio deformado.

Com um brilho maligno, os olhos esbugalhados pareciam prestes a explodir ou serem ejetados das órbitas, e já vertiam filetes de sangue diluído em lágrimas. Sangue e muco também escorriam pelo nariz e pelos ouvidos.

A voz grave e roufenha protestou pela boca da vítima:

― Muito apertado aqui dentro! Desse jeito, não vai durar muito tempo, sua bostinha.

Sentou-se na cama com movimentos desengonçados. Tossiu. Em seguida, um acesso de vômito com abundantes jatos fez seu corpo dobrar-se para frente em espasmos violentos.

― Ah, assim está melhor – grunhiu, depois soltou um arroto sonoro e obsceno – Rápido, precisamos fazer uma visita de despedida a Mamãe-Papai antes que você se torne completamente inútil – as palavras soaram quase ininteligíveis, pois a língua intumescida já pendia fora da boca, gotejando bile e sangue.

Com uma risada gutural, o corpo de Ana Júlia titubeou desengonçado na direção da porta entreaberta, rumo a uma nesga de luz que vinha do corredor, seus dejetos escorrendo pelas pernas trôpegas e deixando um rastro de imundície pelo caminho.

Parou por um instante à porta, agarrou a própria língua e arrancou-a com um puxão violento, atirando-a em seguida com descaso a um canto. O músculo caiu ensanguentado e disforme sobre o tapete macio, como um gigantesco verme morto.

Antes de entrar no quarto onde os pais de Ana Júlia dormiam, a nefanda figura ainda cambaleou envolta em uma aura de pestilência até a cozinha e apoderou-se da maior faca que encontrou na gaveta sob a pia.

 

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